segunda-feira, 27 de abril de 2015

Sorte

29 de Dezembro de 2009


A décima terceira carona. Um presente do acaso.


 Eu já havia me conformado com a minha derrota, e estava em Londrina por mais tempo que o habitual. Estava vendendo DVD's e havia invadido uma casa onde meu avô havia morado até Novembro, mas que agora estava abandonada. Assim encerrava o meu ano de 2009, em um Dezembro confuso porém agradável, onde eu conseguia me esconder sozinho embaixo de um teto, e não havia ninguém para vangloriar-se da minha derrota. Minhas dores de ouvido ainda incomodavam bastante, mas meu dente do siso havia se partido em tantos pedaços, que a dor já estava mais amena. Todas as minhas coisas ainda estavam na casa da Dona M e eu sabia que cedo ou tarde teria que ir lá para buscar, mas o fato é que eu estava deveras traumatizado com caronas. Só de pensar em tudo o que havia passado nas últimas caronas, um imenso cansaço invadia meu corpo, minha mente e minha alma. A apatia era forte, e o decorrer daquelas semanas anteriores tratavam de me pregar aos poucos, e cada vez mais, naquela confortável zona de esquecimento e retiro. No entanto, naquele dia 29, após voltar de um dia de vendas, senti um ímpeto arrebatador, uma vontade muito grande de passar a virada do ano em São Paulo, na Avenida Paulista, com os amigos que havia feito lá, na grande Babilônia. Foi uma espécie de convite do acaso.

 Naquela mesma noite, decidi ir até o hotel onde eu antes fazia meus bicos uma vez por mês, só para ver se algum hóspede partiria para São Paulo. Cumprimentei um funcionário que não lembro o nome, e conversávamos um pouco sobre como estava aquele fim de ano no hotel, quando um hóspede apareceu de repente, e me cumprimentou:

 - E aí, rapaz?! Não trabalha mais aqui?!
 - Tô sim, mas só de vez em quando.
 - Não tá lembrado de mim?
 - Hum... deixa eu ver bem...

 Na verdade não lembrei na hora, mas ele se descreveu e me ajudou a lembrar. Era um policial militar, que morava em Osasco, e que certa vez, alguns meses atrás, havia se hospedado no hotel. Era o sargento Oliveira, mas não me lembro de seu primeiro nome. Na ocasião anterior de sua hospedagem, ele havia vindo com mais três policiais militares a Londrina, pois havia comprado um caminhão com procedência duvidosa, e o veículo havia sido confiscado, o que o fazia ter que vir a Londrina para apresentar-se em um processo. Não vou entrar em detalhes, mas o fato é que ele havia vindo em Dezembro novamente, agora com sua esposa e seu filho, para dar números finais ao processo, e reaver o direito sobre o seu caminhão.

 - Você vai achar estranho, mas eu vim essa noite no hotel só para ver se encontrava algum hóspede que fosse para São Paulo.
 - Sério?! Então, a gente já sai amanhã, seis e meia da manhã, se você estiver por aqui...
 - Perfeito! Aí você me deixa em Osasco.
 - Você vai na Hugo Semeghini, não é? Vou passar por essa rua. Te deixo lá.
 - ...

 Eu não sei que raios de memória aquele homem tem, mas ele se lembrou de mim, do meu rosto, e da rua em que eu morava em Osasco!!Uma coisa absurda! E eu, que superestimo minha memória, sequer lembrava de seu rosto. Considerei até a hipótese de aquele homem ter me investigado, mas era algo improvável. Ele era de fato muito inteligente, e me levou até o estacionamento para mostrar qual era o seu carro, para que eu o identificasse no dia seguinte, por quaisquer motivos. Era um Peugeot 306, prata. Fui embora radiante, e sobre gritos de "cagado!!", do funcionário do hotel.

Já no mocó, deitei-me sobre um acolchoado para dormir. Porém, mesmo com toda essa sorte, a dor de ouvido ainda me perseguia, e me impediu de desfrutar de uma noite de sono minimamente decente; acordei quatro ou cinco vezes naquela noite, de forma com que dormi sem riscos de perder a hora. Saí do mocó ainda muito escuro, pois era horário de verão. Estava um frescor bastante agradável, e lá fui eu ,de ônibus, tranquilamente, até o hotel. Cheguei antes das seis da manhã, pois não queria, sob nenhuma hipótese, pôr em risco aquela carona. Era a chance de unir o útil ao agradável, pois além do prazer da festa na Paulista, poderia passar na casa da dona M. e pegar algumas roupas e coisas minhas que havia abandonado lá. Já no hotel, o relógio passava de seis e meia da manhã, mas nem sinal de o sargento ter descido. Fui até o estacionamento e seu carro ainda estava lá, firme e forte. Por volta das sete da manhã, desceram o sargento, sua esposa e seu filho para guardar as malas no carro. Me prontifiquei a ajudar, e fomos em direção ao estacionamento.

 - Só espere a gente tomar um café, e a gente já parte - disse o sargento.
 - Sem problemas - respondi. Fiquem a vontade.

 Terminado o café, feito o check-out, partimos em puro conforto rumo a Osasco. A manhã estava fresca e um pouco nublada, linda, e dava um clima nostálgico, de certa forma, à viagem. Íamos no banco de trás eu e seu filho, um adolescente de uns 13 anos, e na frente o sargento e a sua esposa, com ele na direção. O sargento puxava conversa comigo, que estava exatamente atrás do banco dele, sempre perguntando o porquê de as coisas terem dado errado lá em São Paulo. O rádio estava tocando música sertaneja, e numas dessas ele sempre frisava que se eu quisesse fazer sucesso e ganhar dinheiro, que deveria migrar para a música sertaneja.

O sargento também falava de suas ações de policial, e contou que um mês atrás havia perseguido uns bandidos que haviam matado e roubado um comerciante lá na "minha rua", na Hugo Semeghini, e que havia passado no jornal e tudo.

 - Você não ficou sabendo?
 - Acho que ouvi algo a respeito sim (mentira).

 Conversa vinha, conversa ia, e a viagem seguia. Fomos por Sertanópolis-Assis, porém, tão logo percebemos, já estávamos na Castello Branco. O asfalto da Castello estava molhado, sinal de que havia chovido por lá antes, porém, só o que se via era uma leve garoa. Paramos no primeiro Graal da rodovia, por volta do quilômetro duzentos, a pedido da esposa do sargento. Fiquei do lado de fora, fumando um cigarro e conversando com ele, enquanto a esposa e o filho foram comer. Pouco tempo depois, entramos para acompanhá-los à mesa, enquanto a mulher do sargento comia um minúsculo pedacinho de bolo de chocolate e o filho degustava um pacote de batata frita Ruffles.

 - Nossa amor, sete reais esse "pedacico" de bolo! - reclamou a mulher.
 - O quê??!!! Isso sim é um assalto!! - bradou o sargento.

 Todos rimos um pouco, mas de fato era um absurdo. Era um pedaço de bolo tão pequeno que era menor que um quarto da palma da minha mão.

 De volta à estrada, seguimos pela Castello, dessa vez em definitivo. Vários quilômetros depois, o tempo foi abrindo, e a garoa teve fim. A viagem seguiu adiante, e pouco antes do meio-dia já estávamos no quilômetro dezoito. Fazia um belo sol agora, e logo após passar pelo Rodoanel, já estávamos em Osasco. Ele conhecia bem mesmo aquela quebrada, e após algumas curvas, já estávamos na rua Hugo Semeghini, Perguntou o número da casa, e foi descendo em direção a ele.

 - Tá entregue, garoto - sentenciou o sargento, após estacionar em frente à casa de dona M.
 - Poxa cara... tô sem palavras - tentei agradecer. Salvou meu fim de ano...
 - Imagina. Não fiz mais que minha obrigação. Um policial tem que servir a população.

 Me deixou no portão da casa de dona M., e partiu.


EPÍLOGO

 (Trriiimmm) Toquei o interfone da casa de dona M., e uma de suas filhas atendeu.

 - Ah, é você... - disse ela, com cara de poucos amigos.

 Chamou pela dona M., e a mesma abriu um grande sorriso debochado ao me ver.

 - Ricaaardo! - exclamou surpresa dona M. Nossa, como você é cara de pau de voltar na minha casa!! Quê que você quer??!

 Fiquei meio sem graça, pois já conhecia o deboche e a ironia de dona M., e ela era uma expert nisso.

 - Vim em missão de paz - disse eu, rindo para tentar amenizar a situação. Só vim pegar umas coisas minhas e em meia hora eu vou embora. Prometo.
 - Ah é?! Pois eu te dou quinze minutos. Ó, já tô contando no relógio - disse dona M., enquanto abria o portão.
 - Putz, mas eu queria fumar um cigarro antes com a senhora... - lamentei, devolvendo a ironia.

 Dona M. fumava escondido, pois sua religião proibia cigarros. Acendi um ali, na garagem mesmo, só para provocar.

 - Ah, agora você tá fumando então?! Se entregou de vez para o demônio! - exclamou dona M.
 - Mas a senhora também fuma, poxa - repliquei.

 Dona M. começou um sermão de inúmeras palavras por minuto, sempre com um sorriso sarcástico no rosto. Apaguei meu cigarro pela metade, e subi as escadas até o depósito acima da garagem, onde sempre dormia lá. Dona M. me seguiu, lançando sua torrente de palavras, as quais não me lembro de ter absorvido. Não pude deixar de me surpreender ao perceber que boa parte das minhas roupas não estavam mais lá.

 - Eita! Minhas roupas estão lá embaixo? - perguntei transtornado.
 - Não. Doei tudo para um mendigo - respondeu dona M.
 - Ah, M... sério?! - eu não queria acreditar naquilo.
 - É ué! Deus me disse pra fazer isso e eu fiz!
 - Mas eu gostava tanto daquelas calças e daquele tênis...

 De fato eu gostava das duas calças Smart  que havia deixado lá, e do meu tênis West Coast, o qual havia sido presente da minha finada avó Mãezinha, dois anos atrás. Eu não sou de ligar para roupas ou marcas, mas acho que as desventuras vividas naquele ano de 2009 fizeram com que eu me apegasse a elas de alguma forma. Confesso que fiquei com vontade de chorar, de tanta raiva! Engoli sêco. Peguei o que coube na mochila, minha guitarra, meu amplificador, uma sacola e desci as escadas. Dona M continuava esbravejando duzentas palavras por minuto, mas a essa altura eu já havia abstraído de sua presença. Com esforço, e me equilibrando para carregar tudo que levava, saí pelo portão, e parti para São Caetano, para a casa de um músico amigo que lá morava.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Deveras enjoado disso

As vezes sou tomado por uma sede de natureza, uma sede de mundo, de vida!! Uma ânsia de fugir da nossa urbanicidade doente... uma vontade louca de ir morar na Jamaica!

sexta-feira, 17 de abril de 2015

De Volta pra Casa

Sonhei que voltava de viagem com a Sabrina e minha falecida vó mãezinha, e dormi no ônibus. Quando acordei elas já haviam descido, e eu desci no ponto seguinte. Voltei por um caminho soturno e uma mulher me seguia. Após andar em uma via que não se podia seguir em frente, virei a esquerda e fui parar na casa onde estava a Sabrina e minha vó. Quando a Bina viu a mulher que me seguia ficou bastante enciumada. Eu disse que nem conhecia aquela mulher, que nunca a vi na vida, mas a Bina continuava com muita raiva. Comecei a tentar jogar a mulher por cima do portão da casa, mas ela enroscou na lança, e ficou presa lá. Voltei pra dentro de casa, mas não vi mais a Bina. Perguntei pra mãezinha, e ela disse que a Bina tinha ido embora, e com razão.